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A moda em tempos de pandemia

A moda em tempos de pandemia
Vitor Pedroso
May. 11 - 10 min read
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O mundo da atualidade se encontra num cenário de adaptações às consequências deixadas pelo mundo antigo, este que vem de um longo período de evolução e avanços dentro do setor tecnológico e digital. Porém, no mesmo passo em que a humanidade vinha progredindo em soluções práticas e instantâneas, o meio-ambiente junto de todos os seus recursos regridem  à um nível de escassez permanente.

O comportamento imediatista que vinha sendopraticado pelos indivíduos nesta virada da década, fez com que os hábitos de consumo estivessem atrelados na busca de artefatos superficiais que suprissem o deleito de suas satisfações pessoais e momentâneas.

Tal efemeridade comportamental vinha refletindo desenfreadamente no ritmo de extração de matéria-prima e produção na indústria têxtil. A moda que está em disparada no setor de maior consumo entre a humanidade, é o segundo setor econômico mais poluente do mundo, ocupando o posto secundário logo depois da indústria do petróleo. 

Uma reportagem publicada pelo jornal Valor Econômico em 21 de abril deste ano, traz números atualizados e impressionantes. De acordo com a matéria, o setor é responsável por cerca de 10% das emissões globais de gases-estufa, número maior do que a aviação e o transporte marítimo produzem juntos, e libera todos os anos 500 mil toneladas de microfibras sintéticas nos oceanos  como por exemplo, microplásticos presentes nas fibras de poliéster, tecido este que é um dos mais comuns e acessíveis no mercado. Mais: a indústria têxtil é a segunda área da economia que mais consome água — nessa conta, vale destacar que, segundo dados da ONU Meio Ambiente, para produzir um simples par de jeans são necessários em torno de 4 mil litros d’água. Um modelo econômico que era operado com base num ciclo linear e extenso de excessos em todas as áreas, desde a extração e esgotamento de recursos naturais atrelados à produção em larga escala, que promovem o trabalho análogo escravo moderno e induzem ao consumo desnecessário de roupas e posteriormente ao descarte irresponsável destes produtos, que por fim ocasionam a degradação ambiental por completo. Resultado: graves consequências sociais e ambientais.

Pois bem, essa mesma indústria que persistia neste modelo falido e desastroso de produção e consumo; Hoje, por conta da COVID-19 é também o segundo setor econômico com os maiores impactos negativos nos negócios. Somando uma queda percentual de 87,7% nas empresas de vestúario e, 81,8% nas de couro e calçados. Segundo o IBRE- Instituto Brasileiro de Econômia, fabricantes de vestuário enfrentam dificuldades no fornecimento de insumos importados, enquanto produtores de couros e calçados sofrem com a redução da demanda externa. Cenário este que cada vez mais se intensificará com as restrições de distanciamento social e precaucões sanitárias que impactam diretamente o processo de produção que vai desde a extração de matéria-prima até a logística de fornecimento e distribuição de produtos, que serão ainda mais afunilados com o fechamento das fronteiras comerciais e que possivelmente ocasionará a extinção em massa de diversas funções e empregos na área têxtil tornando comum o fechamento de portas de diversas empresas.

 

Soluções palpáveis

Enfim, hoje fala se muito sobre "consumo consciente" e sustentabilidade e pela primeira vez, todo esse ensaio ideológico que sempre alertou as possíveis consequências do antigo modelo de produção, até então eram tratados como modelos hipotéticos e ignorados pelos grandes da indústria e hoje elucidam grandes soluções de reforma. 

Diante de um mundo completamente insustentável e com mazelas gigantescas em diversas áreas, a filosofia por trás do modelo de economia sustentável parece ser bem eficaz, e de fato é! E seria ainda mais se tivesse sido implementado antes de todo o desastre. O sonho de remediar os estragos parece possível e palpável adotando um modelo eficaz e equilibrado de produção, partindo do entendimento do cenário global e todas as pautas estabelecidas à um nível de urgência . Tanto que, muitas empresas já estão olhando para esse "novo" formato de produção dentro de uma nova perspectiva decorrente da análise de demanda do consumo atual e futura; que será deixado por conta da mudança comportamental pós pandemia, porém não é uma tarefa tão simples assim.

Bom, sabemos que a prioridade de consumo no momento são os produtos alimentícios e de higiene, seguido dos produtos de farmácia. A moda entra num patamar de produtos não essenciais e totalmente desnecessários neste momento e vemos marcas e empresas se desdobrando para eliminar estoques, pagar fornecedores e  elaborando estratégias para manter o CNPJ em pé, junto do emprego de diversos trabalhadores. Entretanto, vemos empresas que não se encaixam dentro das diretrizes ecológicas e sociais, e por um momento de desespero acabam adotando um falso selo verde em suas etiquetas. O famoso "Greenwashing".

Não podemos esquecer que essa indústria é uma das principais engrenagens de manutenção do sistema capitalista e que possivelmente já estejam sendo traçadas táticas que atendam a esse novo modelo de produção e consumo do "novo mundo". Mas como de fato, apresentar um modelo conciso de produto e produção de moda consciente que não seja apenas uma estratégia de marketing? Ou que não seja mais uma grande ferramenta de exploração do capitalismo? Essas devem ser uma das dúvidas mais latentes da atualidade dentro das empresas que querem se reposicionar dentro do mercado. E tais questionamentos, levam os olhos dos consumidores e até investidores aos produtores locais, com produção artesanal e de baixa escala. Afinal, como estes profissionais vem desenvolvendo suas produções e mantendo o giro de suas economias?  E porque merecem reconhecimento, prioridade e investimento?

 

Reciclagem Criativa

Num momento onde somos indiciados à um olhar mais coletivo e de extrema reflexão interna sobre nossos hábitos e costumes. Eu, como pesquisador e Designer de Moda Sustentável, vejo neste período uma oportunidade de ampla afirmação e reconhecimento de meu trabalho e todas minhas práticas criativas ecológicas.

Procuro sempre antes de dar início num novo projeto, analisar bem minhas condições de insumos, técnicas e recursos naturais, com o intuito de preservar sempre a produção local e artesanal nas minhas criações e coleções. Atender de modo fiel ao pilar social dentro do modelo sustentável é uma de minhas prioridades.

Mas, como fica o Design e a criação de novos produtos num mundo que não precisa de mais produtos?! Bem, de fato o mundo não precisa de mais roupas, e teremos que nos por a disposição das práticas de reciclagem como novas formas de combater os impactos negativos deixados pelas indústrias do sistema capitalista. E quando falo em reciclagem, é reciclagem de TUDO mesmo! Desde os produtos e materiais já existentes, e principalmente do lixo de nossas casas. Aqui no Brasil a reciclagem não é uma prática social tão eficaz como são nos EUA e na Europa por exemplo, porém hoje já vemos um impulsionamento deste hábito, seja ele através do consumo (brechós e peças de segunda linha) ou na criação de novas "coisas" e produtos feitas por mentes criativas que se encontram em isolamento, utilizando aquilo que se tem em casa ou no lixo. 

 

A reciclagem também é um dos principais processos dentro do meu planejamento criativo, e vou compartilhar aqui um destes processos:

 

Botões de abacate

Sim, você não leu errado! Eu produzo botões de roupas a partir da reciclagem do caroço de abacate. Essa é uma técnica que foi herdada da minha avó Ana dos Santos Pedroso (74 anos), mulher negra e também de descendência indígena, carrega consigo uma bagagem riquíssima de práticas artesanais. O manuseio do caroço de abacate (este que eu também uso no pigmento de tingimento de tecidos) veio de um momento na vida de minha avó, onde ela que também é costureira, um dia precisava entregar alguns pedidos de clientes, porém não tinha dinheiro para comprar os botões convencionais de acrílico.

E olhando para o abacateiro do fundo de seu quintal, e para os abacates no chão que iriam pro lixo ela deu inicio na brilhante ideia de fazer aviamentos a partir da reciclagem de resíduos orgânicos, e deu muito certo! Ela vendeu muitas peças com esses botões e até hoje existem roupas com mais de 30 anos e com os botões intactos. Prática essa ancestral, que chegou a mim ainda na infância onde tive o primeiro contato, e hoje junto de parceiros na área de biologia demos início à pesquisas morfológicas do núcleo hiperproteico do caroço do abacate e todas suas riquezas em nutrientes nas suas camadas porosas. E depois de vários testes nos processos de corte, laminação e impermeabilização chegamos num resultado que posteriormente lancei no mercado como uma nova possibilidade de produção criativa de um bem durável, reciclável e com o foco no futuro consciente.

Foto: canto inferior esquerdo, processo de reciclagem e laminação do caroço de abacate. E ao centro a camisa de seda com fibra de pet reciclada, peça tingida manualmente e com os botões de abacate. 

Ainda é muito cedo e incerto falar sobre como será o futuro da moda e todas as práticas criativas que nela serão permitidas para o novo mundo, mas uma coisa é certa! Grandes soluções e formatos promissores de criação e produção equilibradas virão do resgate de técnicas ancestrais e preservação da cultura dos povos originários e principalmente do olhar que colocamos nos nossos recursos naturais e nacionais dentro de um modelo circular e ético com o meio ambiente e toda sociedade.  


Acompanhem também meu trabalho em https://www.instagram.com/___pedroso.___/ 

Obrigado, espero que você leitor tenha gostado.

Até o próximo artigo, grande abraço.
Atenciosamente, Vitor Pedroso. 

 

 

 

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