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CIDADES MÉDIAS PARA QUEM?

CIDADES MÉDIAS PARA QUEM?
Christian Krambeck
jul. 14 - 8 min de leitura
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“Se ser político é reclamar das injustiças. Então, eu sou político”

Patativa do Assaré

As coisas mudam, as pessoas mudam, as cidades mudam! Vivemos tempos de mudança, gostemos ou não, que irão impactar nossas vidas de forma intensa e profunda nesta década, principalmente a partir de 2022, no pós pandemia. A partir deste fato inevitável é preciso fazer as perguntas certas, para evitar o risco da alienação, do equívoco e principalmente, investir energia, tempo e recursos para responder da melhor forma possível, as perguntas erradas.

Neste sentido, a pergunta que queremos formular neste artigo é “qual é o novo  modelo de cidade?”; “quais os novos requisitos para pensar e planejar cidades para as pessoas no século XXI?”. O que precisamos deixar de acreditar e fazer para que se abram essas novas possibilidades, mais sustentáveis, mais equilibradas, mais saudáveis, mais eficientes e mais inteligentes?

O primeiro requisito é perceber e reconhecer que os modelos, padrões, metodologias, objetivos, prioridades e ideias anteriores não funcionam mais, não estão adequados aos desafios do século XXI, estão falidos e ultrapassados. Eu sei que isso dói, é desconfortável, pois estamos vivendo neste modelo desde o século passado, nos últimos 30 anos pelo menos. Tudo que fizemos e fazemos até aqui está ancorado em modelos mentais, políticos, estratégicos e filosóficos do século passado, com raras e honrosas exceções. Ocorre que o ser humano sempre prefere permanecer na zona de conforto, o ser humano é conservador, prefere manter o que “deu certo até agora”, e isso é uma característica difícil de superar, pois está presente no cidadão, no político, no técnico e até nos líderes e empresários. 

O segundo, tão importante quanto, é reconhecer que não somos capazes de mudar sozinhos, que não sabemos, que precisamos do outro, do diferente e de todos os tipos de recursos disponíveis para aprender e descobrir os melhores caminhos para cada realidade e suas vocações e características. Mesmo não sabendo, temos que tomar a decisão e agir, começar, iniciar essa construção do que será a cidade para as pessoas do amanhã, ou seja, trabalhar a partir de um horizonte de médio prazo, que significa 2025 e 2030. Aqui há outra armadilha, cada vez mais somos moldados pela velocidade, pelo imediatismo, pelo individualismo, pelo hedonismo, queremos tudo pra ontem. Mas o planejamento de cidades não é assim, requer tempo, amadurecimento, conhecimento, prioridade no coletivo e no público, para implantação de políticas públicas, programas, projetos e obras, sempre com objetivos, metas e indicadores, que estes sim, vão apontar já no curto prazo, se a direção proposta está correta, atende os desejos da sociedade e apresenta os resultados “planejados”. 

Mas que novo é este, do que estamos falando? Ninguém sabe com precisão e certeza, mas é possível apontar alguns movimentos inegáveis e inevitáveis:

  • revolução digital e tudo que vem junto com ela, home office, compras on line com entregas aéreas, menos deslocamentos cotidianos das pessoas, novas tecnologias que aumentam a eficiência e efetividade dos serviços públicos e privados, etc. 

  • busca por espaços públicos diversificados, qualificados e com vitalidade próximos do local de moradia (um parque e praças por bairro/região da cidade)

  • cidades densas e compactas, com mais gente morando e vivendo em centros de bairro qualificado e com serviços, cultura, lazer, eventos e consumo.

  • inovação e empreendedorismo permeando quase tudo na vida das pessoas

  • propósito e cuidado com os outros e a natureza

  • participação social e democracia direta

  • novos líderes e políticos, mais alinhados com estes pontos anteriores e mais dispostos a ser parte de um movimento de transformação verdadeiro, aprender ao longo da jornada, mais humildes, mais coletivos, mais democráticos e transparentes, à serviço de um projeto coletivo e não de seus desejos e objetivos pessoais. 

Mas tem um ponto que precisamos prestar atenção, a humanidade, a população brasileira e nossas cidades estão parando de se expandir territorialmente e entrando numa longa fase de estabilização do crescimento populacional, ou seja, estamos parando de crescer. O Brasil  jamais ultrapassará os 300 milhões de habitantes, a taxa de filhos por mulher já está em 1,7 filhos, abaixo da taxa de reposição populacional; não temos mais êxodo rural; não temos mais migração entre regiões; nossa população está vivendo mais e envelhecendo melhor.

Esta implicação muda completamente a lógica do urbanismo, não vamos precisar construir mais creches, escolas, postos de saúde e infraestrutura urbana a partir de 2030 (claro que haverá exceções regionais, pontuais e específicas, mas são apenas exceções e particularidades). Também não vamos precisar construir mais nenhuma infraestrutura que priorize o carro, ao contrário, as cidades que quiserem estar na vanguarda, que quiserem se destacar positivamente e oferecer mais qualidade de vida, inclusão, saúde, igualdade e perspectivas para suas populações, vão ter que mudar completamente. Vão ter que preparar equipes técnicas; eleger políticos alinhados; criar programas e projetos que priorizem o transporte coletivo e alternativo não poluente, o sistema cicloviário integrado entre si e com os ônibus, os pedestres com centros de bairros vivos e muito densos e compactos (mais gente morando na mesma área, onde é possível se deslocar usando o elevador, a bike e caminhando.).

O futuro do mundo é das cidades médias, neste caso olhamos para o caso de  Santa Catarina, que só é o que é porque sua estrutura urbana se constituiu a partir de cidades médias pólos regionais, distribuídas de forma equilibrada por todo o estado. Floripa é um exemplo interessante, inclusive é protagonista de um dos poucos movimentos residuais de deslocamento de população, neste caso, uma tendência, das grandes cidades para cidades médias estratégicas, com qualidade de vida melhor. 

Há vários desafios para cidades médias: a desigualdade e exclusão territorial; a necessidade de gerar empregos, inovar e se inserir na cadeia mundial de consumo e negócios; saúde e educação pública de qualidade para todos. Mas talvez a mobilidade urbana e a sustentabilidade do sistema de transporte coletivo urbano seja nosso desafio mais premente, mais urgente, inclusive porque é fator de democratização do acesso à cidade e acesso das pessoas ao emprego, todos os serviços públicos e benefícios da cidade, como lazer, cultura, educação, consumo, etc. O modelo atual, em todas as suas dimensões de análise, está falido, é questão de tempo para entrar em colapso. O que faremos com este fato? É possível mudar o resultado de uma ação se fazemos tudo como sempre foi feito? Apenas a força de vontade, neste caso, é suficiente para mudar um resultado previsível e catastrófico para nossa qualidade de vida, nossa saúde, nossa economia e nosso futuro?

Voltando ao ponto de partida, precisamos mudar, salvar o sistema, sair da zona de conforto e reconhecer que não somos capazes de fazer isso sozinho, é preciso uma concertação social envolvendo prefeituras, associações de municípios, governos estaduais, universidades públicas, associações empresariais, sindicatos, Câmaras de Vereadores e a comunidade. Agora precisamos ser capazes de reinventar o sistema, à luz das melhores tecnologias, inovações, soluções, arranjos e modelos vigentes em outras cidades médias do mundo. 

A mobilidade urbana é um dos desafios do NOVO URBANISMO, há várias outras dimensões e urgências, o que não podemos é insistir em pensar, agir, investir e projetar conforme o planejamento urbano do século passado, senão os resultados também serão os do século passado, ou seja, inadequados, ineficientes e equivocados. 

ps.: não há cidade criativa, pedagógica, sensível, integral, sustentável ou qualquer cidade se isso tudo que falamos acima, não incluir de forma integral, as favelas, seus moradores e a incrível cultura, vitalidade, soluções, criatividade e resiliência que há nas favelas brasileiras.

 

Aqui um link sobre o maior problema das cidades brasileiras em minha opinião e que impacta diretamente na possibilidade de cidades criativas ou não:

Desigualdades socioespaciais e o acesso a oportunidades nas cidades brasileiras

 

Christian Krambeck

Arquiteto e Urbanista, empresário e professor de arquitetura e urbanismo FURB.


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