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A criatividade como ressignificação do sofrimento

A criatividade como ressignificação do sofrimento
Rafaela Kich
May. 12 - 6 min read
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Faz mais de um ano que me deparo com uma questão existencial profunda: por que sofremos, afinal? Se existe um fato unânime entre todos os seres humanos é que cada um de nós, em determinado momento da vida, se percebe diante de perdas, doenças e fraquezas. O ápice de tudo isso é a morte. Nenhuma pessoa está imune a esses desafios.

Para além da esfera individual, há também o sofrimento coletivo. É o que enfrentamos hoje diante da realidade brasileira. Saber que a morte nos espreita diariamente. Quase 12.000 óbitos já registrados no país. Ler sobre artistas tirando a própria vida. Saber que jovens estão se suicidando no Pará. Ansiedade e incertezas.

São tempos duros para os sonhadores, seria impossível discordar. Mas me recusarei até o último instante a ceder ao pessimismo. Por quê? Porque acredito que há em nós um potencial de transformação mesmo diante dos piores cenários. Chama-se criatividade.

Neste artigo, quero convidar você a um mergulho nessa reflexão. Topa?

Sobre transformar dor em inspiração criativa

Basta se aprofundar um pouco na biografia de pessoas que são referência em criatividade e idealizadoras de algumas das teorias e criações mais revolucionárias da história da humanidade  - Einstein, Da Vinci, Darwin, Simone de Beauvoir, Frida Kahlo, Angela Davis (e poderia incluir mais milhares de nomes aqui) - para perceber que há um denominador comum entre elas.

Sabe qual é? Tod@s enfrentaram provações extremas em suas vidas, tanto na esfera individual, quanto na esfera coletiva dentro dos respectivos contextos de sua época. A arte, a transcendência do status quo, a criação de novos mundos só foi possível a partir da coragem de pessoas que ousaram questionar o sistema e subverter a lógica vigente até então.

Eles e elas transformaram o mundo com seus talentos criativos. E, muito provavelmente, também salvaram suas próprias vidas graças à sua arte. Sabe o que mais? Não é preciso nem voltar tão longe na história para mencionar exemplos.

Recentemente, mergulhei em um dos livros mais tocantes com os quais me deparei nos últimos tempos. Chama-se “Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada”. Foi escrito pela Maria Carolina de Jesus, ex-moradora da favela de Canindé - uma das primeiras de São Paulo -, na década de 50.

Parece loucura. Uma mãe solteira de três filhos, negra, moradora da favela, pobre. Mas, sim: ela escrevia. E lia.

O livro é, na verdade, uma série de extratos dos diários de Carolina Maria, descritos com uma lucidez impressionante e, ao mesmo tempo, marcados pelo sofrimento diário de uma mulher relegada pela sociedade capitalista. Eis um exemplo de alguém que transformou dor em escrita. Sofrimento em arte.

Quando entrevistada e questionada sobre os motivos que a levavam a escrever, Carolina respondeu:

“Quando eu não tinha nada que comer, invés de xingar, eu escrevia.”

Não por acaso, o livro tornou-se best seller internacional. A autora transformou a tortura da própria vida em legado. Aliás, enquanto nômade digital, percorri algumas capitais brasileiras e me deparei diante de um paradoxo muito interessante: geralmente, nas cidades grandes, onde a vida é mais dura, há também muito mais arte e criatividade emergentes.

Me parece haver, em tais lugares, um processo de ressignificar o sofrimento. Talvez a dor de ser humano seja, justamente, o que nos permite canalizar a criatividade. Quando simplesmente não conseguimos tolerar mais uma realidade, nos botamos a pensar e trabalhar criativamente para transformá-la.

Faça boa arte

Em meio a tais devaneios e de minhas leituras de cunho filosófico e espiritual, acabei concluindo o seguinte: sofremos porque temos dificuldade de lidar com a impermanência e a aceitação das coisas simplesmente como elas são. De fato, é dificílimo abstrair da ideia de controle. Mas precisamos saber deixar ir.

Imagine o caso da própria Maria Carolina. Ela fazia todo o possível para alimentar os filhos, ganhar dinheiro, ter uma vida digna. Ainda assim, por questões políticas de força maior, se percebia incapaz. E contemplava dois caminhos: acabar com a própria vida ou seguir vivendo e escrevendo.

Optou pelo segundo e, assim, deixou à sociedade um retrato inestimável do que era (e ainda é, em diversos locais) a vida na favela. Tudo isso para dizer que, não importa o quanto o cenário pareça insuportável, a criatividade e a arte podem nos salvar.

Se você está desanimado e desesperançoso com a quarentena e a situação do país, minha dica é: escreva. Ou, então, pinte, dance, cozinhe, cante, ouça música, faça música.

Há algumas semanas, um querido amigo (valeu, Thiago Dalleck!) me indicou o vídeo de um discurso do escritor Neil Gaiman para formandos de uma turma de arte. Ele diz: “façam boa arte”. Não importa o quão absurda, triste ou bizarra seja determinada situação. Transforme em arte.

Meu desejo é este: que possamos, diante da tristeza do cenário atual, transformar sofrimento em arte e inspiração criativa. Talvez seja esse o propósito de tudo.

Ah, se você quiser, vale a pena espiar o discurso na íntegra:

Curtiu o artigo? Não deixa de me dizer o que achou aqui nos comentários. Vou amar saber. :)

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