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Um conto do futuro

Um conto do futuro
Olívia Fernandes Boretti
jan. 1 - 6 min de leitura
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O ano é 2058, não existe nada espetacular nele.

Para sair de casa, uma pessoa se veste com as "roupas de sair", que após o covid-19 e suas variantes, passou a significar roupa de segurança. 

Mas antes de se preparar com roupas, a pessoa deve realizar um scanner do seu corpo para verificar se tem condições fisiológicas para sair.

O que não sabe é que, dentro do scanner, há também o sensor psicológico que, se verificado alguma alteração, simula um problema fisiológico. Autorização concedida e roupa no corpo, vamos ao trajeto.

Perceba que a pessoa não tem mais reação sobre essa fiscalização e consequente autorização pra sair.  Aqui, o cuidado em não transmitir para os demais venceu o egoísmo capitalista.

Ao chegar no destino, uma mensagem chega no céu relógio de pulso com a informação:

"Bem vindo ao shopping, a temperatura ambiente é 22 graus, no momento têm 238 pessoas no local, das quais 70 pessoas são funcionários do 4° turno e estão com as vacinas em dia. 134 não tiveram contato com mais de 5 pessoas nos últimos 7 dias. 23 pessoas são do grupo de risco. 11 pessoas tiveram contato com mais de 6 pessoas e foram alertadas a ligar o sensor de distanciamento. Deseja confirmar sua entrada? Sim ou Não"

Arriscado, pensa. Mas preciso comprar o presente de aniversário da sobrinha. 
Aperta o sim. A sobrinha já tinha 7 viradas e só a viu umas 5 vezes pessoalmente no total. A cunhada é grupo de risco e não custa cuidar.

As ferramentas online permitem interações mais realistas em 2058, e como admite integrações, joga Minecraft virtual reality 6 com a sobrinha 1 vez por semana. 

Dessa forma consegue acompanhar a vida do irmão, que prefere não contar sua vida aos demais da família. Ainda pensa que casar com uma grupo de risco foi um erro. Bobo.

Na entrada do shopping, o vaporizador passa e embaça seus óculos. "Hahaha, isso é tão retrô" diz uma pessoa que saiu do gabinete do lado.

Fazer o que? Enxergo melhor e sim, gosto de coisas antigas, pensou.
Andando pelo shopping à procura do presente, se lembra dos filmes antigos onde as lojas era abertas e vendedores e pessoas transitavam.

Hoje, as lojas são imagens holográficas. Você consegue ver o conteúdo da loja e fazer a compra sem contato algum. Há a opção "fale com um atendente",  prefere usar essa, as vezes usa apenas para dizer "boa tarde, tudo bem com você"?

Chegou na loja de brinquedos e começou a rodar o carrossel. Uma, duas, três vezes, e não encontrou o presente que a sobrinha tanto quer. Apertou o botão para chamar a atendente, um voz rouca respondeu.

"Como posso ajudar senhora?".

Senhora...Como ela sabia que eu era uma senhora por baixo desse traje?... ah, esqueci do scanner. De dentro das lojas o funcionário do turno tinha acesso a um scanner que lhe mostrava quem estavam atendendo. Protocolo de atendimento criado desde a ultima rusga sobre gêneros.

Além disso, o funcionário aprendia 5 línguas: português, mandarim, inglês, esperanto e linguagem neutra.

Boa tarde, tudo bem? Você sabe dizer se tem o jogo minecraft virtual reality 7?

 "Um momento senhora, vou verificar no sistema". Tranquilo, não estou com pressa, respondi. Veja, olhando para o relógio, eu ainda tinha 15 minutos de permanência no shopping, vou passear no corredor, me bipa? "Claro senhora".

Mais de 20 dias sem sair de casa, vou andar um pouco mais que 50 metros quadrados repetidos. 

Caminhando pelo corredor,  passou pela loja de coisas para pet, pegou um bolinha nova para a felina, imagina sair de casa e não trazer nada diferente?

Andou mais alguns passos e seu relógio apitou, pensou ser a atendente e deu meia volta, mas ao olhar para frente viu uma criança correndo freneticamente vindo em sua direção.  Olhou o relógio: "Sensor de distanciamento ativado, mantenha distancia".

A criança. Estavam uns 30 metros de distancia, mas ela corria muito. Vou dar meia volta e caminhar a passos rápidos, pensou e já foi fazendo.

O apito do relógio aumentou a sequencia e o volume, a criança se aproximava rápido, teria que correr, pensou. Tantos anos que só corria na esteira, será que daria conta? 

Começou a ensaiar os primeiros passos de corrida, mas não adiantou, sentiu os braços da criança enrolando suas pernas e ouviu a voz da sobrinha.

O alarme do shopping disparou. Os agentes chegariam para o protocolo. Olhou pra sobrinha e a abraçou com tanta vontade. Dane-se o risco pensou.

Na curva do corredor, chegava seu irmão bobo, que parou para não atrapalhar meu momento. Obrigada bobo.

Olhou para a sobrinha e explicou como seria o protocolo, mas disse que seu abraço foi o melhor do mundo. E foi mesmo. Mas que ela deveria evitar correr e abraçar as pessoas em local público.

Os agentes chegaram e quiseram nos separar, deu mais uns apertões nela e falei que a veria no fim de semana. Ela toda feliz, piscou pra mim e disse, combinado tia.

Os agentes realizaram o protocolo e fui escoltada para casa com uma multa em dinheiro e 25 dias sem sair de casa. Faria de novo.

Ao abrir a porta, felina ja me esperava na saída do vapor com olhar curiosa. Tirei a bolinha da embalagem e joguei a embalagem no chão, melhor presente!

Sentei no sofá e o relógio bipou, "putz, o jogo!"

A atendente me disse que o jogo estava em falta, mas que já anotou meu pedido e o enviaria para minha casa assim que chegasse. Ok, muito obrigada e espero que tenha um ótimo dia. 

Eu tive.


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