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Me convença do contrário.

Me convença do contrário.
Joana Wosgrau Câmara
out. 4 - 4 min de leitura
010

Seis anos de Geografia na UFSC, incluindo um de Ciência Sem Fronteiras na França, me fizeram acreditar, por um tempo, que só indo pro mato eu conseguiria ficar longe de toda selvageria desse sistema, só lá eu conseguiria me libertar dos vínculos com ele, afinal tudo que eu compro na cidade alimenta o sistema. Tudo que eu faço influencia uma ou outra política: eu compro coisas que afetam o preço; eu me interesso por assuntos que afetam o que vai ser oferecido nas escolas; eu gosto mais de ir por esse caminho, o que afeta o acesso a esse caminho se mais gente resolver passar por ele. Tudo, portanto, é política. Certo? Tudo me amarra ao sistema, não tem jeito.

MAS, (sim, tem um mas, ufa!).

Mas, como qualquer cultura há muito tempo tatuada no nosso cérebro, ir pro mato e viver com o sistema na cabeça seria só levar o sistema mais longe, seria 1500 com os portugueses e os índios tudo de novo. Seria um desperdício. E eu não gosto de desperdício.

Ir pro mato sem decidir desconstruir meus preconceitos (todos eles, os "bons" e os "ruins") seria a mesma reprodução do egoísmo atual, só que no mato. Eu pensei muito sobre isso e me peguei com medo de estar reproduzindo por aí o que eu digo que quero mudar - e é por isso que andar com gente que sonha tão alto e que executa com a mesma garra que a gente é essencial - e por isso, pensei, pra colocar um indicador no meu processo de desconstrução, vou usar a mesma régua pra medir quem faz e quem não faz o que eu faço e vice-versa. Quando chegou no vice-versa que eu entendi o verdadeiro desafio: pra mim, está em tirar o sistema da cabeça e fazer as coisas do jeito oposto ao que se espera, não usando nenhuma régua. Pra ninguém, nunca. Sim, é mais difícil do que parece, tá. 

O sistema continua vivo, continua aqui brigando com cada um que tenta se jogar contra ele. Cada um, sozinho, do seu jeito, nem sempre aguenta a barra que é resistir a todos esses impulsos jogados na nossa cara, diariamente. A percepção que cada pessoa tem sobre uma propaganda, sobre o sabor de alguma coisa, sobre o que faz bem ou mal pra ela e até a memória afetiva que aquilo carrega é única. E eu não posso medir essa percepção com régua nenhuma. A partir de agora, em uma conversa eu vou com o lema me convença do contrário somente se estiver aberto a ser contrariado, ou seja: tu só tenta vir aqui mudar minha opinião se tu também estiver aberto a mudar de opinião pelo bem comum com todas as variações do que é o bem comum. Isso que eu chamo de um debate de qualidade com pessoas dispostas. É isso que muda o mundo.

E por isso, antes de sair correndo pro mato (me convenceram do contrário) a gente trouxe um pedaço do mato pra dentro de um apartamento no meio da cidade. Esse mato cresce independente de qualquer coisa, chuvas fortes, sol rachando ou governo Bolsonaro. Esse mato, se souber observar, ensina muita coisa. A gente usa o que tem pra plantar dentro: panela velha, sacos aleatórios, gavetas, embalagens que seriam descartadas. A criatividade urge, o mundo muda e o jeito de fazer as coisas também. A gente vai tirando o sistema da nossa cabeça aos poucos, sem  pedir licença e sem que muita gente perceba que é isso que está acontecendo. 

*A colheita de tomatinhos foi incrivelmente abundante. Pra quem não pode ser convencido pela parte hippie de mexer com as plantas: além de todo carinho e conexão com a terra, colhemos dinheiro.
 


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